sexta-feira, setembro 01, 2006

Considerações acerca dos Ipês



Só quem respira esta secura do planalto central, nesta época do ano, sabe e sente a epifania de um ipê amarelo rompendo o gris e a fumaça, típicos dos agostos e setembros. Conversando outro dia com o Marcus Correia, após sua aula de futurismo russo, me dizia ele sobre seu fascínio com a poesia de Maiacóvski. Esse assunto remeteu-me aos anos 80, saudosos e tediosos anos, quando eu, com mais cabelos e menos barriga, assinava versinhos tipo "escada" (como o próprio Marcus define a poesia em degraus do poeta russo), visivelmente inspirado pelo suicida. A lembrança de Maiacovski e sua camisa amarela, chocando os olhos e ouvidos da burguesia russa do início do século passado, por associação, lembrou-me a aparição de ipês amarelos pela estrada, quebrando nossa tediosa viagem urbana, causando estranhamento, tornando-se poesia. Tal conversa e associação, rendeu-me estes versos, cujo título é o título desta postagem inaugural:

"Tu, maiacovski no cerrado,
Que me fitas em arrogante vaidade
Não imaginas o lugar em que me jogas
Ó violência amarela nas retinas
Apolínea ereção que me fustiga
Me cegas na seca que me cerca
Tu, vlaidoso vladimir amarelo,
Cíclica presença da aparente morte
Exibindo-te revelas minha pequenez.

Tu, blusa amarela da botânica
Irrompes em virulenta epifania
Pra que eu, metafisicamente de joelhos,
Possa adorá-lo com espanto, na afasia
Doce bala laica que profano
No sagrado deleite do olhar
Tu, perfeição, pecado, engano
Que a gula da visão vem devorar

Tu mostras o natural destino
Da beleza que carregas e que invejo
No frescor de tuas folhas que admiro
Dança o vento quente seco que renego
Tu, russo poeta feito árvore
Nuvem que calças cobrem e oculta
Mostra a novidade de ser belo
No amarelo farto do estar vivo
Doce laica bala que mastigo
Leigo é o meu contentamento
Perco-me no meu próprio castigo
Não ser Ipê, poeta, nem ser vento."

2 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Caro Léo,

Antes de mais nada: Uhuuu! Primeiro a comentar, como tenho lido nos blogs pela aí.
O ipê é mesmo uma epifania e vale um, dois, mil poemas. Vejo com surpresa que há pontos de encontro entre o teu poema e a minha letra: um deles é a visão da beleza do ipê como "libido".

Destaco os seguintes versos:

"Tu, vlaidoso vladimir amarelo,

Cíclica presença da aparente morte

Doce bala laica que profano

No sagrado deleite do olhar

Tu, perfeição, pecado, engano

Que a gula da visão vem devorar

Tu mostras o natural destino

Da beleza que carregas e que invejo

No amarelo farto do estar vivo

Doce laica bala que mastigo

Perco-me no meu próprio castigo

Não ser Ipê, poeta, nem ser vento."

Abração e parabéns pelo blog. Vou anexar a meus favoritos.

10:22 PM  
Anonymous Anônimo disse...

Seu Eclesiastes, com certeza, identifica-se com muita gente, inclusive eu. Li e reli, observando e absorvendo cada sentimento ali expressado. Parabéns! Adicionarei aos meus favoritos! Ah, como professor, confesso que superou minhas expectativas!!!!!!!!!

11:37 AM  

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