segunda-feira, setembro 04, 2006

Flores Amarelas e Medrosas ou O Medo Além do Medo

Quem tem, tem medo. Isso é o que nos diz a sabedoria popular. Medo de que? De quem? Não importa, porque isso é o que nos mantém vivos: o medo. Irracional, não explicável, absoluto, o medo. Foi ele que nos tirou das árvores para a savana e, já eretos, desta para o chá das cinco em Buckingham. Sim, foi medo o que nos fez reagir, lançar mão de paus e pedras, e criar filmes e praças de guerra ou alimentação. Não foi outra coisa que não medo, o que nos fez cultivar mitologias, de gregos a incas, baianos, carismáticos e evangélicos. Somos decididamente uma espécie covarde. A raça humana é medo puro. Note bem, ou não note, apesar do blá-blá-blá que lhe impuseram na escola, creia, a história não se faz com coragem ou heroísmo, mas com medo. Vencedores e perdedores o foram por medo. Toneladas e toneladas de medo ergueram pirâmides e prédios da Sears; cavaram Suezes e Panamás; fincaram bandeiras na lua e nas mais altas montanhas; enfim, sem o medo não moveríamos uma pedra do lugar. Ou você acha mesmo que a falta de medo nos fez abrir mão de nós mesmos? Freud, outro medroso eminente, já sabia disso ao escrever O mal-estar da civilização. O medo nos ferrou, é verdade, mas também nos fez chegar à lua, criar a internet , a Microsoft , a bomba atômica. O medo nos deu Kafka e Graciliano Ramos, Goya e Portinari, Bach e Tom Jobim, Hitler e ACM, Tom & Jerry, Paul & John.
Medo de barata, de perder o emprego ou o bonde da história, de broxar numa transa, de ser estuprada no beco, de não ir para o céu, de escuro, de injustiça, de descobrirem seus crimes, de não ser reeleito, de perder o poder, de escrever errado, de ficar órfão, de ir pra lista de inadimplentes, de mijar sangue, de ter câncer no pulmão, de estar com mau hálito, de que um asteróide louco e sem rumo choque-se com o planeta e você, sem mais nem menos, não tenha mais razão alguma pra ter medo....enfim, tudo se repete indefinidamente. Medo, medo, medo.



Estes são tempos de medo, como aqueles anos 1930/40 quando o Carlos Drummond de Andrade reflete, escreve e publica "Sentimento do mundo" (1940). É desse livro o poema a seguir:

Congresso Internacional do Medo

Provisoriamente não cantaremos o amor,
que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,
não cantaremos o ódio porque esse não existe,
existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,
o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
o medos dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte,
depois morreremos de medo
e sobre nosso túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.



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