quarta-feira, maio 04, 2011

Barbárie


Se você me atinge, tenho todo o direito de também atingi-lo. Se você me persegue, corra de mim quanto puder. Há um código que é válido para todos, outro para alguns poucos e ai de quem não cumpri-lo direitinho. Sua ditadura é minha amiga, pode então governar por 100 anos. Sua ditadura não me satisfaz, posso invadi-lo, derrubá-lo, julgá-lo, pendurá-lo pelo pescoço. Sua vida me pertence e não interessa se tens ou não razão, pois a razão está do lado da força, sempre. O meu código é o código do poder e ele me dá o direito de agir onde e como bem entender, em nome da minha proteção. Por uma questão de honra ferida, estouraram a cabeça de Bin Laden e multidões comemoram a carcaça do inimigo que, dizem, foi jogada ao mar. Não, não estamos em eras primevas e bárbaras, não estamos comemorando a cabeça perdida de um rei visigodo ou um chefe de tribo germânica no século II dC. Somos filhos do Iluminismo, da ciência, da civilização letrada e religiosa. Somos todos filhos de Darwin, Newton, Einstein. Jovens letrados, bem alimentados, cristãos, em sua maioria protestantes, foram comemorar o assassinato de um inimigo e as tevês do mundo inteiro vêm me dizer que isso é legal, que isso é bacana. Que povo civilizado pode se dar o direito de celebrar como um carnaval fora de época o assassinato de seu inimigo desarmado? Um povo que se julga dono do mundo, um milhão de prêmios Nobel, as melhores universidades do planeta, que já chegou a Lua e além dela, um povo assim difere daqueles mesmo árabes que comemoram a queda das torres gêmeas? Que diferença há entre o sorriso de Osama celebrando a explosão de inocentes no World Trade Center e a empáfia de Obama e Bush diante dos sucessos de seus meninos em Islamabad e Bagdad? Será que só eu estou enxergando a bestialidade inerente a essas cenas ou o silêncio de todos é uma espécie de condescendência temerosa? Os irmãos do império do mal acima do Rio Grande invadiram o Iraque alegando mentiras escandalosas, explodiram o país, acabaram com sua estrutura, depuseram e eliminaram o ditador, assassinaram milhares e milhares de civis e agora posam de defensores da liberdade do mundo? Quantos iraquianos morreram sob a mão pesada de Sadam Hussein e quantos sucumbiram ao exército norte-americano? Uma pergunta que sempre me percorre: Porque não julgar George Bush, filho, por crimes de guerra? Crimes contra a humanidade são para chefes de pobres Estados apenas? O que é preciso para que se faça esse julgamento Coragem? O que a comunidade internacional diria se qualquer outra nação invadisse o território de uma outra nação independente e, segundo seus critérios, eliminasse um inimigo? Que diferença há, grosso modo, entre a ação de escroques de Pinochet eliminando o ex-chanceler Letelier em Washington (1976) e os meninos de Obama explodindo a cabeça de Osama? Não haverá protesto algum se um comando italiano invadir Brasília e explodir a cabeça de Batisti. Haverá? Confesso que tanta hipocrisia e crueldade me deixam cada dia mais enojado com essa nossa política internacional. Nao te convido para brindar, não há motivo. Vem, vamos vomitar juntos.
Segue um poema do Eduardo Alves da Costa e que parece ter sido escrito hoje, diante das notícias sobre a morte de Osama Bin Laden:

No Caminho, com Maiakóvski


Assim como a criança
humildemente afaga
a imagem do herói,
assim me aproximo de ti, Maiakóvski.
Não importa o que me possa acontecer
por andar ombro a ombro
com um poeta soviético.
Lendo teus versos,
aprendi a ter coragem.
Tu sabes,
conheces melhor do que eu
a velha história.
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.
Nos dias que correm
a ninguém é dado
repousar a cabeça
alheia ao terror.
Os humildes baixam a cerviz;
e nós, que não temos pacto algum
com os senhores do mundo,
por temor nos calamos.
No silêncio de me quarto
a ousadia me afogueia as faces
e eu fantasio um levante;
mas manhã,
diante do juiz,
talvez meus lábios
calem a verdade
como um foco de germes
capaz de me destruir.
Olho ao redor
e o que vejo
e acabo por repetir
são mentiras.
Mal sabe a criança dizer mãe
e a propaganda lhe destrói a consciência.
A mim, quase me arrastam
pela gola do paletó
à porta do templo
e me pedem que aguarde
até que a Democracia
se digne aparecer no balcão.
Mas eu sei,
porque não estou amedrontado
a ponto de cegar, que ela tem uma espada
a lhe espetar as costelas
e o riso que nos mostra
é uma tênue cortina
lançada sobre os arsenais.
Vamos ao campo
e não os vemos ao nosso lado,
no plantio.
Mas ao tempo da colheita
lá estão
e acabam por nos roubar
até o último grão de trigo.
Dizem-nos que de nós emana o poder
mas sempre o temos contra nós.
Dizem-nos que é preciso
defender nossos lares
mas se nos rebelamos contra a opressão
é sobre nós que marcham os soldados.
E por temor eu me calo,
por temor aceito a condição
de falso democrata
e rotulo meus gestos
com a palavra liberdade,
procurando, num sorriso,
esconder minha dor
diante de meus superiores.
Mas dentro de mim,
com a potência de um milhão de vozes,
o coração grita - MENTIRA!

1 Comentários:

Blogger http:douglasuoliveira.com disse...

Ainda a gestação ou já o parto da meta-mentira?

Lindo, Léo!

Douglas

9:43 AM  

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