sexta-feira, setembro 08, 2006

HOLBEIN E AS ALMAS CEGAS E DESDENTADAS


Infelizmente, para muitos de nós, bebida é - e será sempre - apenas água e comida, pasto (Viva os Titãs). Tudo, no fim das contas, uma questão de perspectiva ou situação social, ou as duas coisas ao mesmo tempo. Em tempos de espetáculo (como diria Débord), melhor mesmo é o capim verde e água cristalina, mesmo que falsos, mesmo que isopor, fast food, fast foda. Outros alimentos, nem pensar, nem mastigar, mesmo com dentes invisíveis e cariados. Chego a crer que somos todos, em maioria, almas banguelas num mundo de vampiros e grandes caninos. Este texto cifrado vem ao encontro de Holbein (1497-1543) e seus "Embaixadores", pois, para muitos, a mancha estranha na representação de duas ilustres e nobres figuras (de porte orgulhoso e feição autoritária), é apenas uma mancha estranha e nao representa ameaça alguma, não significa nada além de borrão colorido. E estranho, aqui, vem também dialogar com Freud, sim sinhô! Concluindo essa pequena introdução ao meu poema, o que realmente queria destacar é a total cegueira a que chegamos. Apaguem a luz, ninguém aqui vê nada, nao quer ver nada ou, oops, quer ver sim as fotos do pênis de Michael Jackson.

Hans Holbein - The Ambassadors (1533) - Oil on wood, 207 x 209.5 cm - National Gallery, London



















AS FOTOS DO PÊNIS DE MICHAEL JACKSON

"A Pilati, pelo mote
A Pessoa, pelo mito
A Paco, pela mente
A Leminski, pelo norte"

O poeta atento, atado, assiste a tudo:
Estes são tempos de luminosa escuridão e fastio
São tempos de cio e de vícios, de ócio e de estio
De olhos encandeados e almas cegas, tempos de vazios
São tempos velozes, de afeto veloz, de eternidade veloz
Fast food, fast sex, fast love
São tempos de nãos, de muitos nãos
Não à dor alheia, à lagrima do irmão
Não à fome e ao cansaço do vizinho
Não ao afeto, não à carícia, não às delícias
Não ao meu, ao teu, ao desespero de nós todos
Mil vezes não e não, infinitos nãos...
Não ao sim.
São tempos de valores cruéis, tempos de escura luz
Pois é preciso ver as fotos do pênis de Michael Jackson
Que importa se 800 mil tutsis são degolados em Ruanda?
Se vários cobradores fonsequeanos andam pipocando inocentes?
É preciso ver as fotos do pênis de Michael Jackson.
Quem quer saber de Maria mula que morreu de overdose quando 15 pacotes de cocaína pura estouraram em seu estômago?
Que notícias me dão daqueles imigrantes afogados no mar do Caribe tentando a Ítaca norte-americana?
Que importa o choro que cultiva o ódio dos colonos judeus que enfrentaram a polícia na desocupação de Gaza?
Quem olha pelo menino palestino cujo pai explodiu-se num mercado de Telaviv?
É preciso ver as fotos do pênis de Michael Jackson
A quem interessa a agonia de periféricos soropositivos que definham sem auxílio e sem remédios?
Quem fala daqueles que choram no apartamento ao lado?
É preciso ver as fotos do pênis de Michael Jackson
Quem há de acariciar e velar o sono agitado do pequeno órfão em São Paulo e Jacarta?
Quem de nós, que não nos sabemos, irá falar pelos desempregados do subúrbio da cidade do México e da invasão da Estrutural em Brasília?
Quem quer saber da rosa do povo que míngua à luz destes tempos de negros sóis?
É preciso ver as fotos do pênis de Michael Jackson
O poeta estende ao sol a sua alma esfiapada
Mostrando sua dor interminável concentrada
E a poesia de fiapos que apresenta, condensada,
morre lentamente...asfixiada:
São estes, tempos de muita luz e cegueira iluminada
De abandono e vastas solidões acompanhadas
Tempos de um tudo que é nada
Tempos de avesso e aversões.
Estes são tempos de sins e de pecados
Sim à mão fechada e punho erguido antecedendo a porrada na cara do inocente
Sim ao escarro na boca que há muito não beija
Sim ao linchamento do estuprador em Ibotirama e ao espancamento do sem-teto na Praça da Sé
Sim ao ódio e seu combustível de reservas inesgotáveis.
Sim ao não.

A mulher branca e a mulher negra querem ver as fotos do pênis de Michael Jackson
As mulheres, a branca e a negra
O homem branco e o homem negro também querem ver as fotos do pênis de Michael Jackson
Os homens, o branco e o negro
O menino e a menina, brancos, o menino e menina, negros, querem ver as fotos do pênis de Michael Jackson
Os meninos e as meninas, os brancos e os negros
A avó branca e o avô branco, o avô negro e a avó negra, querem ver as fotos do pênis de Michael Jackson
Os avós, os brancos e negros
Os tios brancos e os tios negros, todos querem ver as fotos do pênis de Michael Jackson
Os tios, os brancos e os negros
O padre, o pastor, o rabino, o líder sindical, o delegado, o juiz e o detetive, brancos e negros, querem ver as fotos do pênis de Michael Jackson
O padre, o pastor, o rabino, o líder sindical, o delegado, o juiz e o detetive, brancos e negros A taquígrafa, o repórter fotográfico e o motorista da van que transmite o julgamento ao
vivo, todos brancos, querem ver as fotos do pênis negro de Michael Jackson
a taquígrafa, o repórter fotográfico, o motorista da van, os brancos
Os transeuntes, brancos e negros, que lêem jornais , querem ver as fotos do pênis de Michael Jackson
Os transeuntes , os brancos e os negros
Os internautas, ciberneticamente brancos e negros, querem na grande rede ver as fotos digitalizadas do pênis de Michael Jackson
Os internautas, os brancos e negros
Os políticos, republicanos e democratas, brancos e negros, querem ver as fotos do pênis de Michael Jackson
Os políticos, os republicanos, os democratas, os brancos e os negros
Na Alemanha e na Inglaterra brancas, todos querem ver as fotos do pênis negro de Michael
Jackson
Os alemães, os ingleses, os brancos
Os virgens, os pedófilos, os abusados e os portadores de vitiligo, brancos, negros e malhados, querem ver as fotos do pênis de Michael Jackson
Os virgens, os pedófilos, os abusados, os portadores de vitiligo, os brancos, os negros, os malhados
Os santos, que não têm cor, querem ver a foto colorida do pênis de Michael Jackson
Carros explodindo, gente explodindo, estômagos implodindo, corpos sofrendo ao frio e fome e sede e dores e, o pior, nenhum deles viu a foto do pênis do Michael Jackson.
Escritores escrevendo, leitores lendo, prostitutas trepando, ladrões trabalhando, lesmas lesmando, e nenhum deles viu a foto do pênis do Michael Jackson
Woytila morreu sem ver; os 111 policiais iraquianos mortos pelas milícias fundamentalistas em Bagdá não viram; a junkie belga encontrada morta num beco em Bruxelas também não viu a foto do pênis de Michael Jackson.
A dona de casa ocupada em lavar, passar, bordar e foder com o marido, não teve tempo de ver; o operário que mergulhou vinte metros abaixo da terra para soldar os fios de cobre não teve jeito de ver; o trabalhador escravo na fazenda de um deputado no Pará não pensou em ver; a freira carmelita com febre, no claustro, não conseguiu ver a foto do pênis de Michael Jackson...
E o mundo continua rodando, rodando, rodando em torno das minhas retinas fatigadas e que ainda não viram a foto do pênis de Michael Jackson.

O poeta atado, atento e atônito, assiste a tudo:
Estes são tempos estranhos, de luz e escuridão.
Não há dor capaz de mover a mão do homem em direção a outro homem
Não há mais outro e todo sentimento do mundo parece estar
Apenas no desejo de ver as fotos do pênis de Michael Jackson.

(Leonardo Almeida Filho)

2 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Ou o Tato botando no youtube da piçarelli, digo, Cicarelli.(rs)

Fodeu, meu irmão! Mas o poema esta muito bom.

Abração

11:29 AM  
Anonymous Anônimo disse...

Minha professora de literatura do 2º ano passou esse poema para minha sala uma vez ^^

2:54 PM  

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