sexta-feira, fevereiro 24, 2012

Rosicleide no Rio (uma história quase real)

Rosicleide Wanessa é funcionária do Ministério da Fazenda, em Brasília. Moçoila vibrante em seus trinta aninhos bem vitaminados, adora Carnaval e, por conta dessa paixão, não dispensa uma folia, onde quer que seja. “Ah, gente – ela costuma dizer – por Carnaval vou até no Inferno”. Mas é pura retórica, Rosicleide é, no fundo, uma boa moça. Há dois anos, empreendeu uma aventura no Galo da Madrugada, que lhe valeu algumas pedras nos rins (por não conseguir urinar nos banheiros públicos) e um tornozelo torcido, por conta de um mau passo de frevo e uma pisadela de um negro forte fantasiado de mulata. Conta-se à boca pequena que, nesse carnaval pernambucano, Rosicleide passou muito mal devido ao calor e ao aperto na bexiga. Sua tentativa de esvaziá-la nos banheiros químicos instalados no percurso do Galo, mostrou-se vã e, pior, problemática. “Gente – ela conta ingenuamente - havia bosta espalhada em todos os banheiros que eu fui. E não era bosta sólida não, menino – ela dizia envergonhada – era bosta líquida, pastosa, explodida na parede do vaso como bala de paint ball. Sabe aquela que sai em jato? Pareciah pintura abstrata. Horrível. Tentei usar, mas não deu mesmo.” Pobre Rosicleide Wanessa! Mas ela não desiste de seu sonho de passista, não. Este ano se preparou toda para o Carnaval do Rio de Janeiro. Descolou com uma amiga de uma amiga, que era casada com um o cunhado do primo da tia de sua futura vizinha em Águas Claras, uma vaguinha num conjugado em Copacabana. “Ah, gente, eu não consegui hotel, os que tinham vaga eram muito caros. Estava quase desistindo de ir.” Feliz da vida com a certeza de estar na cidade maravilhosa durante o Carnaval, comprou fantasia, adereços, passagens, cremes (o sol no Rio é de lascar, ela dizia), e partiu de mala e momo para o Santos Dumont. Primeira decepção: o tal conjugado devia ter 3m X 3m, contando o banheiro. Ficava num edifício muito velho e muito barulhento. Hospedadas na pequena quitinete, além, é claro, da amiga da amiga, que era casada com um o cunhado do primo da tia de sua futura vizinha em Águas Claras, outras 7 pessoas. Duas delas vieram de Marabá para desfilar na Porto da Pedra com a fantasia de lactobacilos no grande enredo sobre a história do iogurte. Outras três eram integrantes de uma igreja pentecostal que tencionava converter foliões às graças divinas, livrando-os do pecado. Rosicleide, é claro, tornou-se um alvo em potencial. A estas figuras, um homem que se dizia pastor, mas que tinha todo o jeito de tarado, e duas mulheres muito carolas, Rosicleide já foi logo demarcando território “Meu Deus é momo, o resto é do capeta. Vade retro, seu pastor”. Não foi mais incomodada pelo trio, embora tenha a nítida impressão de ter ouvido uma das mulheres amaldiçoá-la. As outras pessoas eram conhecidas de Rosicleide e com elas combinou de se unirem aos blocos pela cidade. Dormiram pelo chão, colados uns nos outros, e a mão do tal pastor passeando, boba, pelo quarto. “Ainda bem que não estava fazendo 40 graus – contou-nos Rosicleide – mas apenas 36. Deu pra dormir legal, apesar do suor correndo no pescoço. Dei muito tapa na mão do pastor.” No dia seguinte, muito excitada, fantasiou-se de Minie. Isso mesmo, Rosicleide Wanessa, aquela moçoila do Ministério da Faznda, alegre e vitaminada, tornara-se uma rata do Disney. Nem tomou café, tão ansiosa estava para seu primeiro evento momesco, abriu a porta e saiu animada. Primeiro impacto: a lembrança do banheiro de Recife. Um cheiro terrível de fezes pelo corredor do edifício. Rosicleide tapou o nariz e atravessou o corredor com ânsia de vômito. O pior vinha a seguir, no elevador. Duas “tuias” de uma substância que, pelo cheiro, só podia ser merda, estavam repousando no tapete do elevador. Rosicleide, a ratinha Minie, não se conteve e, batendo na porta, apertou a emergência, e foi resgatada pelo porteiro. “Cagaram nessa porra!” Ela gritou ao pobre funcionário que percebeu que um trabalhinho nada agradável lhe aguardava. “Onde já se viu isso, meu senhor? – continuava Rosicleide muito exaltada – Em que lugar do mundo alguém entra num elevador e deixa dois quilos de merda, hein?” . Seguiu pela escada, batendo pé no chão, com o cheiro de bosta impregnado na roupa, no nariz e no lacinho vermelho com bolinhas brancas que ela comprara num camelô na Prado Junior. Ia para Ipanema, para o desfile da Banda de Ipanema. Marcara com umas amigas do Ministério, a Maria das Graças e a Jussara Mariana, também vestidas de ratinhas da Disney. O tempo passando na velocidade de uma marchinha de carnaval. Como não conseguia pegar nenhum dos ônibus lotados que passavam na Barata Ribeiro em direção a Ipanema, criou coragem e entrou na primeira van, também lotada, e, em pé, curvada (pois o teto não lhe permitia ficar ereta), foi para o bloco, com a bunda na cara de uma rapaziada fantasiada, ouvindo uns bêbados cantarem pertinho de seu ouvido “Delícia, delícia, assim você me mata...ai se eu te pego”. Como era Carnaval, Rosicleide Wanessa não deu bola para a galera que, berrando em seu ouvido, insistia em dizer que ela era a nora que “mamãe sonhou”, “A empada da minha azeitona”, “a cerejinha da minha tortinha, gata”. Suada, descabelada, irritada, lacinho vermelho fora do lugar, Rosicleide se espremia na multidão buscando Maria das Graças e Jussara Mariana. Encontrou-as já animadinhas, bebendo caipirinha e cerveja e vodka e tudo mais que se lhes oferecessem. Tudo muito animado, muito cheio, muito quente. Carnaval é carnaval, ela pensava. Aquela vontade de deitar uma aguinha do joelho foi chegando, chegando, primeiro devagar, suportável, depois...ah, depois é só aquele desespero: quero mijar, mijar, mijar. A lembrança dos banheiros de Recife e das balas de paint ball ainda pairando em sua cabecinha de rata. Ainda assim, seguiu com as amigas para a fila dos banheiros químicos. “Não estou mentindo, gente – ela contou mais tarde – mas a fila dava voltas na Praça General Osório e minha bexiga não agüentava mais.” Procuraram desesperadamente um lugarzinho discreto para um agachadinha básica. Como achar um lugar discreto em Ipanema, com 100 mil pessoas se espremendo e cantando “Delicia, delicia, assim você me mata” ? Mas Rosicleide Wanessa não desiste tão facilmente e, de longe, enxergou uma árvore entre dois carros que estavam mal estacionados. Fez os cálculos “Duas ficam na frente, outra atrás, a terceira se abaixa perto da árvore...é isso, meninas, vamos.” E foram. Primeiro Jussara Mariana, depois Maria das Graças, depois fulaninha dos anzóis. Uma após outra foram se aliviando. “Anda gente, que porra de enrolação é essa? – berrava Rosicleide – eu to quase estourando”. Finalmente, antecipando o prazer da mijada, Rosicleide Wanessa Guedes Penteado Silva e Souza foi arriando a calcinha (também vermelha com bolinhas brancas – pra combinar com o lacinho). Em sua cabecinha, parecia cena de cinema, em camera lenta. Viu-se até balançar a cabeça, os cabelos surfando o ar, lentamente, ela arriando a calcinha, o vento fresco chegando por baixo, ahhh, como é bom mijar...ela já antecipava tudo. Foi quando um enxame de abelhas muito agressivas cobriu seu rosto e seus braços. A mulherada se dispersou como cavalos assustados. Era gente pra todo lado e as abelhas num bloco todo seu de carnaval e ferroadas. Rosicleide, coitada, com a calcinha nos joelhos, corria como um papagaio, tropeçando no meio fio, empurrando daqui, dali, gritando, pedindo ajuda “Socorro gente, socorro gente, ai, ai, ai” E o bêbado mais próximo, emendando, “Ai, ai, ai, assim vc me mata”. No desespero de livrar-se das abelhas, Rosicleide Wanessa perdeu os dois brincos (Ah, gente, eu adorava tanto aqueles brincos – ela nos contou depois), anéis, pulseiras, um sapato e calcinha vermelha com bolinhas, que ela teve que deixar pelo caminho, para escapar dos ferrões. Ainda bem que nem ouviu quando um garotão, tipicamente carioca, comentou com um amigo ao ver a cena do desespero da pobre Rosicleide: “Ih, maluco, uma abelha rainha correndo das escravas” e o outro respondendo “Colé, mane, é uma Minie procurando o Mickey”. Na farmácia tomou anti-alérgicos, analgésicos, cremes anti-inflamatórios, etc. A ratinha Minie chegou no apartamento com metade do rosto (a face direita) ainda muito inchada. Ambos os braços também inchados e, pior que tudo isso, o orgulho ferido e a vontade de encher de porrada uma das pentecostais que, ao vê-la nesse estado lastimável, sussurrou “Jesus castiga, Jesus não falha, eu avisei”. Contentou-se em xingar baixinho “Ah, tenha dó, copule-se, dona” Fim de carnaval? Que nada! No dia seguinte, já recuperada do susto, Rosicleide Wanessa, vestiu-se de Pedrita, aquela personagem que namora o Bambam, dos Flinstones, e saiu para a Praça XV, em busca de um homem das cavernas que a fizesse esquecer as abelhas.

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