Tipos de Copacabana – A moça da Domingos Ferreira
Não vi seu rosto, nem precisava. Não carecia de ver nada, pois já
enxergava tudo. Todas as moças andavam graciosas naquele corpo que passou por
mim, atravessando a Domingos Ferreira, na manhã de sol. Naquele vestido roxo
todas as moças do mundo. Rosa? Maria? Dolores? Que nome carregaria a carne? Que
nome batizaria o espírito? Que nome arderia tatuado em sua pele branca e em seu
coração de moça? Eu nunca saberia, lamentei.
Não notou meus olhos bestas diante de sua aparição, passou como quem
andasse numa esteira rolante, olhar fixo no horizonte, sem se dar conta de mim.
Fiquei algum tempo impressionado com o movimento de sua cabeleira sobre os
ombros. Nada super, nada hiper, apenas pêlos muito lisos e negros – seriam de
índia? Seria índia a minha moça de vestido roxo? A minha garota de Copacabana?
– que transpareciam um perfume que só aspirei em pensamento. Ah, como são doces
os cheiros imaginados! Como são belos os rostos nunca vistos, porém desejados, como
o da moça que partiu pela rua balançando cabelos e nádegas sob o calor da
manhã.
Para onde ia com aquela graça e pressa? Encontrar-se com amigos? Amante?
Buscar seu poodle na Pet shop? Ah, talvez a minha moça estivesse atrasada para
uma entrevista de cobiçado emprego. Isso! Secretária de uma pequena firma de
importação e exportação de vestidos roxos e perfumes inexistentes. Consultora
de uma empresa de tecnologia metafísica. Atendente de um escritório de
tabulação de esperanças e expectativas. Quem o saberia além de mim?
Vi, sem propriamente ver, vi em visão, visagem, que ela sorria, e que
sorriso! A leve contração dos cantos da boca, os lábios delicados esticando o
batom roxo que acabara de passar com capricho, para combinar com o vestido. E
tudo isso interferindo em todas as esferas, derrubando astros, provocando
furacões lá longe onde flambam caramujos, descrevendo arcos e órbitas e
planetas e cometas que explodiam em constelações coloridas. Ah, como o desejo
caminha caminhos impressionantes. Tudo isso vi e era belo. Mas não vi com
olhos, que sempre maculam a imagem real, contaminando o que deveria ser com o
que materialmente é. Vi com a vontade e com o desejo e por isso eram belos o
sorriso e a cor do batom que usava a minha moça da Domingos Ferreira. Tudo
perfeito.
Hoje, um pouco cego da vontade e do desejo, que naturalmente se esgotam
com o arrastar-se do carro da existência, quando morremos, lanhados corpo e
espírito, quero me convencer de que a sua aparição naquela manhã de sol, fugaz
e perene como toda ambulante manifestação do espaço no tempo, veio trazer a luz
em que meus olhos míopes precisam mergulhar e que meu espírito escuro anseia
absorver. Pura epifania.
A moça de roxo veio cobrir com sua juventude, perfume e movimento, a
lassidão de meu olhar e corpo contemplativos, como uma pequena deusa de cabelos
negros manifestando-se diante de um velho e arrancando dentro dele um menino
que seguiu com ela, apertando-lhe a mão.
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