Comentários acerca de Salieri
Somos medíocres, leitor meu, meu irmão. Essa é nossa medida e natureza: mediocridade. Do dedão do pé ao último neurônio somos, doa a quem doer, medíocres com fumos de genialidade. Somos do reino da vulgaridade, da banalidade, somos zero. Gente envernizada, raspando-se nada sobra, apenas um tutano careado e ignorante, um mulambo espetacularizado.
É duro ler tal afirmação, mas é necessário fazê-la, é fundamental ser espelho: somos medíocres desde a raiz ancestral africana. Lucy, a pós-símia e pré-humana, aquele resto de osso e substância orgânica, já era medíocre e vã em sua savana arcaica. Vem de longe o tatear da vulgaridade em nossa espécie, e no entanto eis que cultivamos estátuas de heróis inatingíveis, bustos de geniais compositores, representações de titãs incomensuráveis, pegadas de fantasmas de películas. Somos mestres em cultuar as exceções, somos assim fazendeiros da raridade.
A cultura nos cobra a genialidade que, por padrão, ocorrência histórica e estatística, não temos, nem teremos. Devemos aceitar essa realidade: somos medíocres, não por necessidade ou opção - que não somos tão estúpidos assim - mas por predisposição genética. Nossa natureza é a mediocridade. Hão de um dia descobrir o gene dessa nossa bagaceira metafísica, tenho fé.
A propósito da ideologia embutida em “Amadeus” (assista a peça, leia o livro e veja o filme), é-me doloroso, porém divertido, dizer que estamos mais para Salieri que para Mozart. Refiro-me aqui aos personagens, fantasmas fictícios, e não às figuras históricas que respiraram um dia sobre a face desta terra. Óbvio ululante? Nem tanto, considerando que nos esforçamos sempre em ser Mozart , e nesse esforço vão tentamos matar o Salieri que todos temos. É a nota 10 que se cobra do filho na escola; o primeiro lugar no concurso para violino; o destaque do ano na indústria de velas; o Nobel da paz; o Jabuti de poesia; a cadeira de imortal; o Pulitzer; o Oscar; o pódium; a pole position, o funcionário do mês no MacDonalds... Todos os joões-ninguém queremos ser o Airton Sena e o Pablo Picasso que nunca seremos. Isso não nos torna pior ou melhor, pelo contrário, nos iguala a todos, resgata nossa verdadeira natureza: o banal, o vulgar, o trivial. Somos feijão com arroz e assim morreremos todos, sem nunca termos sido caviar. Fatalismo? Nada, meus vermes leitores, apenas pura constatação histórica. Somos todos salieris pomposos, orgulhosos, senhores de porra nenhuma, pajeando a aberração, a mutação, a transcendência inerente ao gênio. A genialidade como paradigma de nosso trajeto pela vida é a forma mais cruel de tortura. O gênio será sempre a odiada e invejada exceção. Este sim, excrescência, fruto máximo do sarcasmo divino. Brincadeira trágica que os deuses tecem sobre nossas expectativas rasteiras e comezinhas.
Somos nada e nos cobramos tudo, só podemos esperar conflito, neurose, amargor, angústia. O ser humano vale pelos sentimentos que desperta, provoca, sente. Somos raiva, ciúme, inveja, ódio, mesquinhez. Mesmo quando Mozarts, Bachs ou Camões, somos rasteiros e ofídicos. Somos um pouco Salieri, Otelo, Ahab, a madrasta dos contos de fada, Sísifo, Lafcadio. A exceção sempre são os outros. Os poucos outros. Essa frase tem seu sentido mais profundo para a grande maioria dos bípedes desse planetinha sujo. Sempre em linha reta.
Não estou aqui para questionar a obra de Antonio Salieri, não vem ao caso. Nem falo aqui do Salieri real, torno a declarar. Estou comentando a trágica personagem que sucumbe ante o gênio irresponsável e sifilítico da outra grande personagem, Mozart. Esta, o exemplo do que foge à regra. Porque não deixá-la à míngua? Porque não cultuarmos o ze-povinho? O jeca? O que realmente nos representa? Porque não? Não há que se tomar partido. Não se trata de uma disputa Brasil e Argentina. O que está em jogo é a supervalorização daquilo que em nossa trajetória pelo cosmo sempre foi e será exceção: o herói, o gênio, o super-homem. E por ser exceção, que tal abandoná-los e passarmos a nos guiar pela regra?
A regra somos nós e nossas dívidas, nossos carnês de prestação, nossas falcatruas rotineiras, nossas vidazinhas ordeiras e pacatas, nossos domingos infaustos repletos de faustões. A regra é o pai bondoso e cristão, cumpridor de suas obrigações para com a Igreja, o Estado e a Família. Essa é nossa regra, sermos medíocres integrais: bíblia embaixo do braço, código do consumidor à cabeceira da cama, o autor mais vendido citado de cor, o compositor mais meloso assobiado no churrasco de domingo. Esse indivíduo somos nós. Vocês acham que somos aquele que escreve obras-primas? Compõe sinfonias? Ganha batalhas gigantescas? Descobre a cura do câncer? Não se iludam, voltem ao seu joguinho de gamão ou à sua coleção de chaveiros, é melhor contentar-se com o esquecimento.
Somos nós que linchamos assaltantes de ônibus, violamos crianças, assistimos novelas e falamos da vizinha que trai o marido. Sim, esse medíocre indivíduo que aposta na loteria, palita os dentes no meio da rua, coça o saco e cospe de lado ao xingar homossexuais e mulheres independentes somos nós, eu e você. Aquela outra que rói o esmalte carmim e tenciona abortar o feto que carrega, sou eu e é você também. De alguma irônica e trágica maneira, somos a massa sem rosto que transita nas grandes cidades do mundo. Esse sim é nosso destino e nossa cara: uma raça de pequenos homens, com grandes e minúsculos sentimentos que nos fazem marcar a ferro e fogo nossa presença sobre a superfície do planeta.
Grandes são nossos sonhos, isso sim é real. O resto é mídia, purpurina, folhetim barato distribuído gratuitamente como encarte nos jornais de bairro.
É duro ler tal afirmação, mas é necessário fazê-la, é fundamental ser espelho: somos medíocres desde a raiz ancestral africana. Lucy, a pós-símia e pré-humana, aquele resto de osso e substância orgânica, já era medíocre e vã em sua savana arcaica. Vem de longe o tatear da vulgaridade em nossa espécie, e no entanto eis que cultivamos estátuas de heróis inatingíveis, bustos de geniais compositores, representações de titãs incomensuráveis, pegadas de fantasmas de películas. Somos mestres em cultuar as exceções, somos assim fazendeiros da raridade.
A cultura nos cobra a genialidade que, por padrão, ocorrência histórica e estatística, não temos, nem teremos. Devemos aceitar essa realidade: somos medíocres, não por necessidade ou opção - que não somos tão estúpidos assim - mas por predisposição genética. Nossa natureza é a mediocridade. Hão de um dia descobrir o gene dessa nossa bagaceira metafísica, tenho fé.
A propósito da ideologia embutida em “Amadeus” (assista a peça, leia o livro e veja o filme), é-me doloroso, porém divertido, dizer que estamos mais para Salieri que para Mozart. Refiro-me aqui aos personagens, fantasmas fictícios, e não às figuras históricas que respiraram um dia sobre a face desta terra. Óbvio ululante? Nem tanto, considerando que nos esforçamos sempre em ser Mozart , e nesse esforço vão tentamos matar o Salieri que todos temos. É a nota 10 que se cobra do filho na escola; o primeiro lugar no concurso para violino; o destaque do ano na indústria de velas; o Nobel da paz; o Jabuti de poesia; a cadeira de imortal; o Pulitzer; o Oscar; o pódium; a pole position, o funcionário do mês no MacDonalds... Todos os joões-ninguém queremos ser o Airton Sena e o Pablo Picasso que nunca seremos. Isso não nos torna pior ou melhor, pelo contrário, nos iguala a todos, resgata nossa verdadeira natureza: o banal, o vulgar, o trivial. Somos feijão com arroz e assim morreremos todos, sem nunca termos sido caviar. Fatalismo? Nada, meus vermes leitores, apenas pura constatação histórica. Somos todos salieris pomposos, orgulhosos, senhores de porra nenhuma, pajeando a aberração, a mutação, a transcendência inerente ao gênio. A genialidade como paradigma de nosso trajeto pela vida é a forma mais cruel de tortura. O gênio será sempre a odiada e invejada exceção. Este sim, excrescência, fruto máximo do sarcasmo divino. Brincadeira trágica que os deuses tecem sobre nossas expectativas rasteiras e comezinhas.
Somos nada e nos cobramos tudo, só podemos esperar conflito, neurose, amargor, angústia. O ser humano vale pelos sentimentos que desperta, provoca, sente. Somos raiva, ciúme, inveja, ódio, mesquinhez. Mesmo quando Mozarts, Bachs ou Camões, somos rasteiros e ofídicos. Somos um pouco Salieri, Otelo, Ahab, a madrasta dos contos de fada, Sísifo, Lafcadio. A exceção sempre são os outros. Os poucos outros. Essa frase tem seu sentido mais profundo para a grande maioria dos bípedes desse planetinha sujo. Sempre em linha reta.
Não estou aqui para questionar a obra de Antonio Salieri, não vem ao caso. Nem falo aqui do Salieri real, torno a declarar. Estou comentando a trágica personagem que sucumbe ante o gênio irresponsável e sifilítico da outra grande personagem, Mozart. Esta, o exemplo do que foge à regra. Porque não deixá-la à míngua? Porque não cultuarmos o ze-povinho? O jeca? O que realmente nos representa? Porque não? Não há que se tomar partido. Não se trata de uma disputa Brasil e Argentina. O que está em jogo é a supervalorização daquilo que em nossa trajetória pelo cosmo sempre foi e será exceção: o herói, o gênio, o super-homem. E por ser exceção, que tal abandoná-los e passarmos a nos guiar pela regra?
A regra somos nós e nossas dívidas, nossos carnês de prestação, nossas falcatruas rotineiras, nossas vidazinhas ordeiras e pacatas, nossos domingos infaustos repletos de faustões. A regra é o pai bondoso e cristão, cumpridor de suas obrigações para com a Igreja, o Estado e a Família. Essa é nossa regra, sermos medíocres integrais: bíblia embaixo do braço, código do consumidor à cabeceira da cama, o autor mais vendido citado de cor, o compositor mais meloso assobiado no churrasco de domingo. Esse indivíduo somos nós. Vocês acham que somos aquele que escreve obras-primas? Compõe sinfonias? Ganha batalhas gigantescas? Descobre a cura do câncer? Não se iludam, voltem ao seu joguinho de gamão ou à sua coleção de chaveiros, é melhor contentar-se com o esquecimento.
Somos nós que linchamos assaltantes de ônibus, violamos crianças, assistimos novelas e falamos da vizinha que trai o marido. Sim, esse medíocre indivíduo que aposta na loteria, palita os dentes no meio da rua, coça o saco e cospe de lado ao xingar homossexuais e mulheres independentes somos nós, eu e você. Aquela outra que rói o esmalte carmim e tenciona abortar o feto que carrega, sou eu e é você também. De alguma irônica e trágica maneira, somos a massa sem rosto que transita nas grandes cidades do mundo. Esse sim é nosso destino e nossa cara: uma raça de pequenos homens, com grandes e minúsculos sentimentos que nos fazem marcar a ferro e fogo nossa presença sobre a superfície do planeta.
Grandes são nossos sonhos, isso sim é real. O resto é mídia, purpurina, folhetim barato distribuído gratuitamente como encarte nos jornais de bairro.
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