A segunda senha
Toda revolução exige coragem. Coragem é, quase sempre, o outro nome para loucura. Mudar o que está posto, se o que está posto não satisfaz, é obrigação de qualquer animal político. O bicho homem carece de coragem para mudar-se, e me refiro a uma revolução muito mais profunda: a do ser. Não há revolução coletiva sem mudança individual, este é o único mandamento da história. As pessoas seguem suas vidas como quem tece um tapete sem graça, já escreveu um poeta desconhecido. Dia a dia, artesãos dessa peça desbotada e comezinha, vão amarrando cada ponta, da mesma maneira, desde sempre. Espécie de Penélope sem heroísmo algum, o que se observa é que em grande parte das histórias, esse artesão apenas continua o artesanato do pai, que já o trouxe do avô e que, por sua vez, aproveitou do bisavô. Romper essa cadeia exige coragem, pois é um ato revolucionário. Imagino que em todo inconsciente marcha um pequeno exército vigilante, violento, mantendo sob suas botas os mais puros e sinceros desejos de mudança. É a mulher de olhar triste que atravessa cinqüenta anos de um casamento sem carinho e sem orgasmo. O trabalhador que alimenta sua gastrite ao bater o mesmo ponto, sob o mesmo salário de fome, durante anos e anos e anos. É o sonho empurrado para baixo do tapete, o desejo recolhido no armário, as vontades amordaçadas no fundo das gavetas, as necessidades mal satisfeitas, os prazeres raros e negados, a comidinha parca, o sexo miserável, o dia-a-dia mais rasteiro e dolorido, como aquele esmalte descascando marçalaquinamente no dedo da puta velha... é preciso coragem para empreender uma revolução pessoal, ou, também dizendo em bom português, é necessária a loucura. Sim, porque é normal ouvir-se dizer de alguém que abraçou o mundo, abandonando casa e família em busca da felicidade, é louco, doida varrida. Aquele que largou um emprego bem remunerado e, feliz da vida, mudou-se para um pequena cidade no interior do país pensando em cultivar orgânicos ou maconha medicinal: Louco de pedra. Ou ainda aquela outra que, prestes a formar-se em Medicina, percebeu que seu destino era militar no jornalismo cultural e investiu num site, num jornal, num blog: Insana. O que dizer então daquela que, a poucos dias do casamento com promissor partido, resolve fugir com um grande amor? Doida, maluca. E eu me lembro daqueles jovens de classe média, bem alimentados, bons cursos, boas universidades, que adentraram o mundo violento da clandestinidade na utopia de empreender uma revolução no Brasil. Que palavra os define? Loucos. E aquele palestino que ousou falar de amor para romanos e judeus? Louco. Sem a coragem não há loucura e nunca haverá revolução alguma. Seremos todos um bando de infelizes, empurrando um carro pesado, cheio de sonhos calcificados, tornados pedras, numa estrada esburacada. Do nosso caminho, enxergaremos toda a possível delícia no horizonte, mas não teremos um pingo da loucura necessária para alcançá-la. Simples assim, triste assim.
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