segunda-feira, junho 01, 2020

Cenas de Copacabana - Na rua


foto: João Gabriel A.










Experimente ler a crônica ouvindohttps://www.youtube.com/watch?v=iAwZgnsnjvs

Noite dessas, subindo pela escada rolante na estação Siqueira Campos do Metrô, saída Siqueira Campos, ouvi a mulher do casal estacionado no degrau acima do meu “Se eu fosse você, não me seguiria”. Ele, com olhar de choramingo, insistindo “Vou até o fim com essa história, já passou da hora”. Era uma mulher cuja maturidade, denunciada por algumas mechas douradas e rugas nos cantos da boca, não conseguira apagar uma beleza jovial. Soprava nela ainda o vento dos dezessete aninhos. Entre as rugas, uma adolescente com gostinho de sal e maresia ainda desfilava. Parecia incomodar-se com a decisão aparentemente inflexível do parceiro. “Suzana, para de ser boba. Eu vou sim, vou mesmo”. Ele, um cara de barba e poucos cabelos, grisalhos, ostentando uma barriga orgulhosa de anos de chope – deduzi – acariciava os cabelos da mulher que repelia o assédio, sem convencer a ninguém. “Kiko, já conversamos mil vezes sobre isso. Não rola, cara. Vai dar merda! Para!” Eu, logo abaixo, deslizando para cima, aguçava os sentidos, precisava saber o que estava se passando. Como qualquer pessoa, muito curioso, queria saber o que ia dar merda. Voltava da Cinelândia, depois de uma tarde cansativa sob o calor tremendo desses dias. Fui visitar um amigo livreiro que mantém seu acervo de livros raros numa sala no décimo nono andar do edifício Municipal, bem ali ao lado do Teatro e da Assembleia. Depois de passar a tarde entre os quadros do Museu Nacional de Belas Artes, emendei com uma visita ao Moacir e seus livros. Conversamos sobre o tempo e sobre o passar do tempo, folheando velhos livros maravilhosos. Por volta das 21 horas, cansado do estirão do dia, ele acendeu um baurete e eu resolvi pegar o metrô em direção a Copacabana. Tudo o que eu queria era tomar um banho frio e abrir uma gelada, comer umas pataniscas, esticar as canelas diante da televisão. Na estação Botafogo, entraram Suzana e Kiko no vagão em que eu estava. Olhando o casal, me pego a imaginar sua história. Mania de escritor inventar vidas. Filhos? Viagens? Apertos financeiros? Brigas? Acho bonito quando um casal demonstra afeto em público, ligando um foda-se ao neopentecostal mais próximo, e Kiko não poupava Suzana de beijinhos na orelha, no pescoço. Ela, fingindo timidez, sorria de forma cativante emitindo uns trinadinhos, e cativava o Kiko, que insistia em explorar cada pedacinho de Suzana. Era um jogo gostoso de se ver, gato e rato prestes a se comerem, eu deduzi. Quando o carro parou na estação Siqueira Campos, ouvia ela dizer, respondendo a algo que ele sussurrou em seu ouvido, “Nem pensar. Tá maluco, Kiko? Endoidou, bicho?” Pronto. Naquele instante, mais que nunca, aquele casal conquistou minha atenção. Porque maluco? Qual teria sido a proposta? Mil pensamentos e imagens. Afrouxei o passo com a intenção de ficar perto deles, que vinham logo atrás, abraçadinhos. Ele sorria, como antes, mas algo nela mudara repentinamente. Estava apreensiva. “Não acredito que você vai mesmo fazer isso”, ela se desesperava e seu desespero parecia não incomodar o Kiko que a abraçava, puxando-a para perto de seu corpanzil. “Vem, cá, vem. Deixa de ser medrosa. Fica calma. Confia em mim, pô!”. Eu, cada vez mais curioso, não conseguia imaginar o que movia aquelas reações de Suzana e a aparente inflexibilidade do Kiko. “Você não confia em mim? Eu me garanto, porra!” Ela saltou da escada rolante e parou logo a frente, olhando pra ele, mudando o tom do discurso “Ah, meu amor, não é isso. Você não tem ideia do que vai acontecer se você insistir nessa parada”. Que parada, meu Deus? Que ideia? A vontade era entrar na história e perguntar-lhes na cara de pau. Saíram andando e eu, um stalker fajuto, tentando captar a conversa. Dobraram à esquerda na Toneleros e seguiram em frente. Fiquei parado, feito besta, na entrada da Hilário de Gouveia, observando o casal sumir no escuro. Nunca saberei o que o Kiko queria fazer e a Suzana tentava impedir.



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