Cenas de Copacabana - Os cães
Qual o signo dele? A pergunta me pegou de surpresa. O
inusitado na tardezinha urbana de Copacabana. Ele se referia ao cachorro. Eu
não conseguia acreditar que a pergunta era endereçada ao Chiquinho, que eu trazia na coleira presa à guia. Disse-lhe,
contendo o sorriso, que o meu cachorro tinha nascido em janeiro, dia dois. Ele
emendou: os capricornianos são muito amistosos e continuou brincando com o meu
yorkshire, que não tem noção de sua pequenez. A doçura, o encanto, a atração
sincera que ele demonstrou com o cãozinho arisco, só reforçou a imagem que tenho captado nas ruas deste bairro: além dos turistas
e dos velhos, os cachorros são as figuras constantes. O morador de
Copacabana é um apaixonado por cães. De todas as raças, tamanhos, cores. Uns
silenciosos, outros escandalosos. Uns agressivos, outros dóceis e medrosos.
Andar pelas ruas de Copacabana é esbarrar com esses animais. É difícil
distinguir quem guia quem, pois eles parecem levar seus donos para passear e
manter contato com o mundo. Sim, são os cães que retiram seus donos de suas
solidões e recolhimentos, dos apartamentos pequenos e os levam para ver outros
donos e seus cães pelas ruas. Circulando pelo quarteirão ou caminhando na praça
do Bairro Peixoto, os cães se atraem, se cheiram e, nesse contato, obrigam seus
donos, que nunca se viram antes, a se aproximarem e conversarem. Do cumprimento
de bom dia ou tarde, passa-se às perguntas sobre os animais, idade, sexo, nome
e acaba-se ingressando em assuntos menos caninos e mais humanos, trivialidades,
política, futebol, mulher, carestia, arrastão, medo, festa... os habitantes dos
conjugados e kits mantêm contato com os moradores dos grandes apartamentos e
casas de vilas. Tudo se dá por causa desses bichos que nos obrigam a dar voltas
para que façam suas necessidades. É curioso notar que acabamos por saciar as
nossas necessidades de contato humano, de ouvir o outro, de ver e sentir o
estranho tão familiar, que partilha a vidazinha de Copacabana ao seu lado e
que, de outra forma, passaria incólume ao seu afeto. Será que os cães
planejaram essa estratégia para nos manter vivos, menos solitários e mais
esperançosos com as coisas da vida? Tenho um amigo que confidenciou-me outro
dia a sua teoria cruel. Segundo ele, quando o sujeito se dedica a passear com seu
cão é por que desistiu da humanidade. A prática desse passeio com o Chiquinho
tem me demonstrado justamente o contrário. É com meu amigo de quatro patas que
tenho conhecido a vida cotidiana deste bairro. A história da vida privada em
Copacabana não será completa se não houver um olhar atento à função social dos
cães. A conversa que começou pelo signo de Capricórnio do meu yorkshire
descambou para um contato amistoso, que rendeu-me a descoberta de um indivíduo
inteligente e atento às coisas do mundo. Psicólogo, astrólogo, amante dos cães.
De que outra maneira eu poderia conhecer alguém assim? Depois que nos
despedimos e trocamos endereços de redes sociais para continuarmos nossa
conversa, olhei para o Chiquinho e tenho certeza de que, em seu olhar de profunda
negritude, brilhava uma luzinha de ardente felicidade e dever cumprido.
Continuamos nosso passeio, ele de rabo abanando e eu assobiando uma velha
canção dos Beatles.
0 Comentários:
Postar um comentário
Assinar Postar comentários [Atom]
<< Página inicial