terça-feira, julho 22, 2008

Sextina I

A sextina é um dos sistemas estróficos mais difíceis e raros. Criada por Arnaut Daniel, no século XII, foi usada por alguns dos grandes poetas, como Dante, Petrarca, Camões.
Compõe-se de seis sextetos e um terceto final, a coda. Utilizando versos decassilábicos, tem as palavras (ou as rimas) finais repetidas em todas as estrofes, num esquema pré-determinado. Assim, as palavras (ou rimas) que aparecem na primeira estrofe, na seqüência de versos 1, 2, 3, 4, 5, 6, repetem-se na estrofe seguinte, na seqüência 6, 1, 5, 2, 4, 3. E se faz a a estrofe seguinte a seqüência 6, 1, 5, 2, 4, 3 em relação à estrofe anterior. E assim até a sexta estrofe, finalizando os sextetos. O terceto final tem, em cada verso, no início e no fim, as palavras (ou rimas) utilizadas no poema todo, na posição em que se apresentaram na primeira estrofe.
Ezra Pound, referindo-se à sextina, disse: "A arte de Arnaut Daniel não é literatura. É a arte de combinar palavras e música numa seqüência onde as rimas caem com precisão e os sons se fundem ou se alongam." Ao que Edmir Domingues objetou, dizendo: "Mas é este o objetivo de toda a verdadeira poesia, o perfeito encontro entre a forma e o conteúdo, entre a linguagem e a música".
(Disponível em http://recantodasletras.uol.com.br/teorialiteraria/47664, por Paulo Camelo)


"Tempo, lodo, limo" (2007), Leonardo Almeida Filho


Segue a minha sextina, construída ao som de "Grace" (1994), de Jeff Buckley.


SEXTINA I

Andei aprisionado no meu corpo
Curvado e triste e só, mascando a vida
Não via então que a vida assim é morte
Como se houvesse escuridão no dia
Eu, que em nada cria, hoje não choro
Nem temo a mão da noite, a morte fria.

No espelho eu não percebo a face fria
Que olha com desprezo o velho corpo
Pressinto dois em mim, por isso choro
Há um que encarna a morte, outro que é vida
Aquele é medo e noite, e este é dia
Do espelho, quem me fita é a morte

Não sei jogar xadrez, que venha a morte
E toque em minha face com a mão fria
Que venha armada em rósea luz do dia
Que hei de estar atento ao corpo a corpo
Que travaremos: ela, morte; eu, vida.
Aqui: não temo, não tremo, nem choro.

Por mim, que me perdi, é por quem choro
E não pela iminência da morte
Que é tão inevitável quanto a vida
Há sempre o sangue quente na mão fria
Existe alma fria em quente corpo
e a noite ainda persiste pelo dia

Estrelas se ocultam quando é dia
E o eu que ri é o mesmo quando choro
Este que vos escreve é alma e é corpo
E quando vos escreve enfrenta a morte
Pois quando lhe cobrir a laje fria
Nos versos declamados terá vida

Se para tanta arte é curta a vida
E para tanta dor é longo o dia
Eu devo almejar a boca fria
da má sorte? Beijando-a quando choro?
Pousá-la em minha cama, amante morte,
E nela repousar meu velho corpo?

Preso num corpo que rejeita a vida
cultiva a morte nas dobras do dia
Por isso choro essa lágrima fria