CONFRARIA EM CURTO-CIRCUITO
Ontem, 9 de setembro, manhã de sábado, alguns poetas reuniram-se para ler seus versos no meio da rua - na verdade, nas ruas estranhas do Centro Comercial CONIC - versos disparados a favor de uns poucos admiradores da poesia. Uma espécie de confraria lírica, capitaneada pelo quixotesco Paco Cac (cabra bom de trabalho e verso), ladeado pelo também incansável Luís Turiba e sua baladeira poética. Batman e Robin da moderna poesia brasileira, ou brasiliense (pelo menos ontem, genuinamente candanga), a dupla apresentou os poetas convidados à platéia, estimada pela PM (que fica logo ao lado do palco) em dois milhões de pessoas (eu e minhas mentiras). O mote foi uma justíssima homenagem ao poeta e crítico Cassiano Nunes, que luta contra uma interminável depressão e nao pôde, por isso mesmo, prestigiar o evento. Compareceram alguns poetas da cidade, o Leozinho aqui, um deles. Ouvimos a poesia concreto-vegetal-brasilúdica-brasilírica de Nicholas Behr. Os versos fixos de Alan VIgiano. A poesia regionalista-transcendental de Angélica Torres Lima (em performance arrebatadora de três fantásticas mulheres...lamento não ter em memória seus nomes pra registrar aqui), os poemas ecologicamente engajados da acreana Francis Mary, Jason Tercio e sua "fake-cascavel", Lisianny Oliveira acima do acima do acima, Nonato Veras...enfim, uns malucos que, como eu, estranhamente gostam de poesia. Seguem os poemas que li (pois nao sei declamar, nao sei recitar, nao sei rezar e só queria mostrar meu olhar, meu olhar, meu olhar...).
O primeiro dos poemas, um texto-manifesto, é dedicado alegoricamente ao Cassiano Nunes, e supõe a criação de uma ONG intitulada Fundação Cassiano Nunes, cuja função seria preservar poetas e poesia, bichos em extinção.
Cassiano Nunes
FUNDAÇÃO CASSIANO NUNES PARA A PRESERVAÇÃO DA POESIA
"Eu vou torcer pela paz
Pela alegria, pelo amor
Pelas coisas bonitas eu vou torcer, eu vou"
Jorge Benjor
a um poeta em depressão
Os poetas são animais em extinção
Tombam como sibipirunas e jacarandás
Rarefeitos como ar puro
Vão-se feito ararinhas azuis... minguando.
Os bons versos são mico-leões dourados
Carecem de que se lhes dêem o valor de sua raridade
Somem-se em vez de somarem-se
E nisso vai-se também nossa alma apaixonada.
È preciso preservar os ipês e os poetas
As Baleias e os versos
A ética e o tigre albino de Pequim.
É necessário proteger a mata atlântica
E resgatar os bons sonetos
Pois se morremos com rios poluídos
Tornamo-nos tristes sem a poesia
Bestas ficamos sem arte e sem ar
Sem magia, sem estranhamento, sem ritmo
Sem pulso, sem penas, sem escamas, sem rimas
Sem vôo, sem delírio, sem mergulho, sem bicos
Sem lábios, sem garras, sem fibras, sem vida.
Temos mata, rio e bicho em nossa alma
E se matamo-los fora de nós
Morremo-nos também inteiramente
Sobrando-nos a assustadora possibilidade
De rimarmos o deserto ante nossos olhos
Com o outro deprimente deserto, o de nosso espírito.
(Leonardo Almeida Filho)
O segundo poema daquela manhã, um longo poema melódico, fala do amor - sempre o amor - e dos quatro elementos (água, ar, fogo e terra).
MEMÓRIA DO LODO
À maneira de Manoel de Barros
Sinto as raízes cantando
no tom do lodo e das pedras
o cheiro doce da luz das rãs
a carne farta da terra
anoitecendo nas gias
lesmando o sonho...desacordar.
Amanhecerei orvalho
entardecerei riacho
anoitecerei no teu suor
madrugarei tempestade
vento ventando vontades
serei semente vibrando ao sol
Almas das águas dos rios
borboletando no cio
do faz-de-conta que não tem fim
e ao me perder, criar limo
brotar canção, virar bicho.
Sei do desgosto de ser capim
O desandar das lagartas
sobre o azul de fastio
tanta saudade chovendo em mim
pelas goteiras da alma
sinto encharcar-me da calma
de quem sabe que trilha seguir.
Saudade é a luz quando escuro
o deslizar nobre e seguro
das cobras d' água no pantanal
bicho sem pé nem canseira
eis a saudade...certeira
ei-la, tocaia no meu quintal.
Se sabe a cruz, sabe a chaga
de quem conduz pela espada
de quem tem fé justo por não crer
na paz das almas marcadas
no chão das crias aladas
no que se passa antes de chover
Vem ver a noite emprenhada
a cor da estrela abortada
na marca-gosma das lesmas.
esse evangelho do lodo
vibra na parte e no todo
num pergaminho de pedras:
Que a chuva leve o que há de pior
que o vento traga o que há de melhor
que o fogo nos purifique
que a terra enfim frutifique
o amor.
(Leonardo Almeida Filho)
Manoel de Barros
O primeiro dos poemas, um texto-manifesto, é dedicado alegoricamente ao Cassiano Nunes, e supõe a criação de uma ONG intitulada Fundação Cassiano Nunes, cuja função seria preservar poetas e poesia, bichos em extinção.
Cassiano Nunes
FUNDAÇÃO CASSIANO NUNES PARA A PRESERVAÇÃO DA POESIA
"Eu vou torcer pela paz
Pela alegria, pelo amor
Pelas coisas bonitas eu vou torcer, eu vou"
Jorge Benjor
a um poeta em depressão
Os poetas são animais em extinção
Tombam como sibipirunas e jacarandás
Rarefeitos como ar puro
Vão-se feito ararinhas azuis... minguando.
Os bons versos são mico-leões dourados
Carecem de que se lhes dêem o valor de sua raridade
Somem-se em vez de somarem-se
E nisso vai-se também nossa alma apaixonada.
È preciso preservar os ipês e os poetas
As Baleias e os versos
A ética e o tigre albino de Pequim.
É necessário proteger a mata atlântica
E resgatar os bons sonetos
Pois se morremos com rios poluídos
Tornamo-nos tristes sem a poesia
Bestas ficamos sem arte e sem ar
Sem magia, sem estranhamento, sem ritmo
Sem pulso, sem penas, sem escamas, sem rimas
Sem vôo, sem delírio, sem mergulho, sem bicos
Sem lábios, sem garras, sem fibras, sem vida.
Temos mata, rio e bicho em nossa alma
E se matamo-los fora de nós
Morremo-nos também inteiramente
Sobrando-nos a assustadora possibilidade
De rimarmos o deserto ante nossos olhos
Com o outro deprimente deserto, o de nosso espírito.
(Leonardo Almeida Filho)
O segundo poema daquela manhã, um longo poema melódico, fala do amor - sempre o amor - e dos quatro elementos (água, ar, fogo e terra).
MEMÓRIA DO LODO
À maneira de Manoel de Barros
Sinto as raízes cantando
no tom do lodo e das pedras
o cheiro doce da luz das rãs
a carne farta da terra
anoitecendo nas gias
lesmando o sonho...desacordar.
Amanhecerei orvalho
entardecerei riacho
anoitecerei no teu suor
madrugarei tempestade
vento ventando vontades
serei semente vibrando ao sol
Almas das águas dos rios
borboletando no cio
do faz-de-conta que não tem fim
e ao me perder, criar limo
brotar canção, virar bicho.
Sei do desgosto de ser capim
O desandar das lagartas
sobre o azul de fastio
tanta saudade chovendo em mim
pelas goteiras da alma
sinto encharcar-me da calma
de quem sabe que trilha seguir.
Saudade é a luz quando escuro
o deslizar nobre e seguro
das cobras d' água no pantanal
bicho sem pé nem canseira
eis a saudade...certeira
ei-la, tocaia no meu quintal.
Se sabe a cruz, sabe a chaga
de quem conduz pela espada
de quem tem fé justo por não crer
na paz das almas marcadas
no chão das crias aladas
no que se passa antes de chover
Vem ver a noite emprenhada
a cor da estrela abortada
na marca-gosma das lesmas.
esse evangelho do lodo
vibra na parte e no todo
num pergaminho de pedras:
Que a chuva leve o que há de pior
que o vento traga o que há de melhor
que o fogo nos purifique
que a terra enfim frutifique
o amor.
(Leonardo Almeida Filho)
Manoel de Barros